O Algarve às Sextas (2012.01.19)
Algarve – Diversificação da Economia Regional

O desenvolvimento do Turismo no Algarve nasce no seio de uma dupla polémica que chega à actualidade, sem que daí resulte benefícios para a Pátria e a Humanidade. A primeira é a do Turismo como instrumento de correcção dos desequilíbrios regionais do desenvolvimento do Continente e a do consequente combate à concentração geográfica da oferta. Em 1967 (1) surge a polémica de que nos ocupamos hoje: a da diversificação da economia regional.

As ideias, mais do que propostas, sobre Diversificação compreendem os Recursos Endógenos, Indústria de Alto Valor Acrescentado e Serviços Avançados, tudo no quadro da Sociedade do Conhecimento. As ideias variam ao longo dos anos, mas têm um pano de fundo: a crítica à polarização de recursos pelo Turismo e a necessidade de contrabalançar ou contrariar o seu peso na economia.

→ Turismo: Crítica e Contrariar/Contrabalançar
A crítica é a da Doença Holandesa. Em 1985, “O turismo e actividades conexas proporcionam actualmente um maior nível de rendimentos e afirmam-se como economicamente preponderantes, absorvendo grande parte dos recursos regionais (mão de obra, capitais, terrenos). A sua concorrência com outros sectores é um factor explicativo para um desenvolvimento abaixo das reais potencialidades que normalmente aqueles apresentam.” (2)

Em 2004, ainda se afirma que “a disputa dos factores de produção (solo, trabalho, capital) pelas actividades terciárias coarctou a possibilidade de desenvolvimento destes sectores. [actividades agrícolas e industriais]” (3).

Desta crítica resultam propostas de politicas. Em 1990 (4), é proposto “contrabalançar o modelo exclusivamente baseado no turismo” de modo a “contrariar a tendência para este [o turismo] se tornar pólo exclusivo de desenvolvimento”.

Em 1993 (5), já se trata de “contrariar a tendência para este [o turismo] se tornar pólo exclusivo de desenvolvimento”.

Do PROTAL de 2007, citamos um das “opções estratégicas para o Algarve”: “É fundamental diversificar a economia regional – recuperação da agricultura e aquicultura, indústrias de pequena dimensão e intensivas em conhecimento, serviços para exportação – face ao previsível enfraquecimento da capacidade dinamizadora do turismo a longo prazo[o sublinhado é nosso].

Não conhecemos estudo científico que justifique a crítica, apenas manifestações avulsas do pensamento light sobre o tema. Quanto ao contrariar/contrabalançar e NÃO fomentar e criar condições de competitividade, fica a responsabilidade política e um preço que estamos a Economia e a Sociedade do Algarve estão a pagar.

Talvez este recordar da história recente ajude a actual elite do Algarve a mudar de atitude em relação à Economia Turístico Residencial. Aceitam discutir o assunto?

→ “Potenciar os Recursos Endógenos”
  Em 1985, há duas ideias sobre os Recursos Endógenos: a de “potenciar dos recursos endógenos, de forma a estimular fortemente através da actividade regional e nacional a sua capacidade de aprovisionamento em produtos relacionados com o turismo” (6) e a do Desenvolvimento Regional para 1986-1990 propõe o “Reforço do potencial económico e da base produtiva através da diversificação da estrutura económica, assente no melhor aproveitamento dos recursos endógenos” (7).

Do PROTAL de 2007, citamos um das “opções estratégicas para o Algarve”: “É necessário criarem-se condições para uma maior internalização dos efeitos da procura turística na economia regional, designadamente na valorização dos produtos da agricultura, da pecuária e da pesca” [o sublinhado é nosso].

Em 1985, a sair do Portugal fechado de antes da CEE, a proposta é possível. Em 2007, com o Mercado Único e a Globalização, a proposta tem efeitos marginais e é patética.

Não dispomos de resposta a duas questões elementares. No cenário de uma agricultura competitiva e utilizando eficientemente a Superfície Agrícola Utilizada e Não Utilizada (8) qual seria o Produto, a População Agrícola Familiar e o Pessoal Agrícola Remunerado? Para assegurar esta utilização eficiente, quais são os estrangulamentos a ultrapassar?

Na ausência de respostas concretas, o discurso sobre os Recursos Endógenos é feito de alvitres recorrentes, perturba a procura de solução para os problemas reais da Região, continua a ser dominado por emoções e, enquanto se pensar que dá votos, a ser utilizado em posições políticas.

→ Industria e Serviços
Em 1972, na preparação do IV Plano de Fomento, são propostas industrias não poluentes, de mão-de-obra numerosa, para “contrabalançar o predomínio do turismo” (9).

Em 1987, quando o Presidente da CCRA afirma que “O Algarve começa a reunir condições para atrair massa cinzenta e poderá tornar-se no Sillicon Valley da Europa” (10).

Em 1990 (11), são propostos dois pólos, um de produtos industriais de alto valor acrescentado e outro de serviços avançados.

Em 1992, quando Mira Amaral, Ministro da Industria reconhece ter o Algarve “características e condições únicas” para atrair as empresas de alta tecnologia (12).

Em 2004, durante a elaboração do PNPOT, esta ideia é retomada: “não se pode esperar que a longo prazo o turismo possa continuar a ser o motor do crescimento algarvio […] há limites que serão inevitavelmente atingidos”, pelo que “é necessário lançar embriões sólidos de diversificação da economia regional, em particular promovendo uma trajectória para uma sociedade de conhecimento e uma economia de serviços avançados, mas também fomentando as condições de recuperação e viabilidade das produções tradicionais” (13).

Em 2007, a versão final do PROTAL propõe “a estruturação urbana da Região” de modo a afirmar o “Algarve como localização competitiva de funções terciárias de nível europeu” e a “diversificação” por “um importante pólo de serviços avançados, explorando plenamente as oportunidades da sociedade de conhecimento”, com referência ao “previsível enfraquecimento” do turismo.

Esta é uma daquelas situações em que dizemos: “Chega de Palavras! Passemos aos actos”. Em pano de fundo, temos a Universidade, a optar pelo crescimento orgânico e não pela atracção de parceiros de fora – tema para um destes dias,

→ Inovação na Agricultura
Independentemente deste discurso irrelevante, há inovação no aproveitamento de recursos endógenos, em particular na Agricultura. Voltaremos aos citrinos, às estufas e similares.

Em 1992, o diagnóstico parece ser demasiado optimista: “A agricultura regional operou significativas transformações na década de oitenta, tendo por base o redimensionamento das explorações e a mecanização do trabalho agrícola. Tais transformações apontam no sentido do Algarve possuir actualmente uma agricultura de forte expressão empresarial.” (14); esta capacidade é “reforçada pela presença de significativos investimentos estrangeiros”; restam a concorrência do turismo na mão de obra e a “ausência de significativas transformações a nível da estrutura de comercialização”.

→ O Lado Menos Brilhante
Em 1990, a agricultura intensiva leva a que “áreas com dimensão significativa já foram perdidas ou são dificilmente recuperáveis para o uso agrícola, devido à salinização crescente e à contaminação de solos e de águas subterrâneas por resíduos de explorações intensivas.” (15).

A geomorfologia e a tradição fazem da Serra de Monchique um caso à parte. Paradoxalmente, deixa de se mencionar a recuperação dos soutos de castanheiros, o medronheiro desaparece das propostas oficiais, apesar de poder estar em causa uma área superior a 10.000 hectares, e é dada prioridade à suinicultura poluidora. A criação de suínos para auto consumo do Algarve tradicional dá lugar a uma suinicultura intensiva, desligada da tradição e da realidade regionais e que sobrevive com o apoio da Política Nacional de Privilégios a Porcos: poder poluir águas e terrenos, de Rede Natura ou não, e beneficiar de uma sucessão de promessas não concretizadas, de apoios públicos para imaginar eliminar a poluição. Apesar deste grande privilégio, “os factores de produção têm, de um modo geral um custo elevado, para um baixo rendimento do produto acabado” (16).

Em 1992, após cinco anos de espera, o investimento no Matadouro Regional é de 2.5 milhões de contos e aposta “nos produtos diferenciados, de carácter artesanal e grande qualidade” (17). Em 2008, o Matadouro é uma ruína, abandonada aos ladrões. A realidade da pecuária regional é a falta de massa crítica, pouco significado no contexto nacional e efectivos que diminuem entre 1952 e 2005, com a excepção do pequeno crescimento dos ovinos (18).

→ Aprender Com Quem Faz e Agir
Há no Algarve exemplos de iniciativas empresariais de sucesso na agricultura, mar, industria e serviços. Esta gente merece reconhecimento e é a fonte de podermos, no futuro, não continuar a repetir os alvitres gastos do passado. Todas estas iniciativas têm peso regional, mas, para termos uma base regional sólida, são insuficientes em número. Ignoro quantos serão necessários. Se fossem cinco vezes mais, estaríamos num patamar diferente.

No Sistema Politico/Administrativo e na Sociedade Civil tem de haver “alguém” que tenha a Accoutability/Responsability (como Diabo se traduz “isto” para Português?) de inovar E concretizar em novas Propostas de Desenvolvimento.

Este “alguém” tem de aprender com quem conseguiu triunfar. A partir daí tem de criar as condições para facilitar a competitividade destes pioneiros (alguns já velhotes, como nos Viveiros do Foral) e PARA ATRAIR nova capacidade empresarial, residente na Região e de fora.

→ O Futuro?
O Algarve constrói o Futuro a partir da base existente de sólidas instalações, serviços e cosmopolitismo. Contrariamente ao discurso do passado, há duas orientações, compatíveis, com mais sinergias do que conflitos.

Pela sua escala, o futuro começa no relançar da Economia Turístico Residencial, com o alargar das estadias, até à imigração de reformados, e na criatividade das experiências que possam atrair as novas gerações.

Em paralelo, a partir do que se aprende com quem já está no terreno, é possível reter e atrair empreendedores para novas actividades. Hoje é mais difícil do que teria sido, quando as instituições regionais falharam. Tem de haver uma entidade regional capaz de preparar a base que permita a retenção e atracção de capacidade empresarial e de inovação. 

Quem assume a responsabilidade?

Sérgio Palma Brito


Referências
(1) No final de 1967, o Comissariado do Turismo propõe um desenvolver a indústria de modo a “promover a economia em bases mais estáveis”(CT, 1967b: 6). É exemplo premonitório de casos futuros: uma Instituição da Administração Publica dá parecer negativo, sem fundamento técnico nem substância real, sobre matéria que não é da sua competência. Ver Comissariado do Turismo, Arquitecto Carlos Ramos, Plano Regional do Algarve, Professor Dodi - 1966, Parecer, Lisboa, 1967.
(2) Comissão de Coordenação da Região do Algarve, Recursos Endógenos, Turismo e Desenvolvimento Regional, Faro, 1985, p. I
(3) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, Revisão do PROTAL, Relatório de Caracterização e Diagnóstico, Anexo A, p.8,  Faro, 2003
(4) Comissão de Coordenação da Região do Algarve, Programa Regional de Ordenamento do Território para o Algarve, Relatório, Faro, 1990, p.18
(5) Comissão de Coordenação da Região do Algarve (1993) Enquadramento Estratégico Para a Região do Algarve: 1994 – 1999, Faro, 1993, p.57
(6) CCRA, Documento da Nota (2), p. 13
(7) Comissão de Coordenação da Região do Algarve (1985b) Programa de Desenvolvimento Regional 1986-1989, Faro, p. III
(8) Instituto Nacional de Estatística, Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas: Ano de 2005, Lisboa, 2006, p. 100
(9) Presidência do Conselho, Trabalhos Preparatórios do IV Plano de Fomento, Relatório Geral Preparatório, Lisboa 1972, p. 24 PC,
(10) O Jornal, 1987; o clipping indica o ano, mas não a data
(11) Comissão de Coordenação da Região do Algarve (1990a) Programa Regional de Ordenamento do Território para o Algarve, Relatório, Faro, 1990, p.18
(12) Diário de Noticias, 25 de Julho de1992
(13) Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, Programa Nacional de Politicas de Ordenamento do Território (PNPOT), Programa de Acção, Lisboa, Novembro de 2004
(14) Comissão de Coordenação da Região do Algarve (1992) Plano de Desenvolvimento Regional do Algarve, Versão Provisória, Faro, 1992, p. 27
(15) Comissão de Coordenação da Região do Algarve, Programa Operacional do Algarve 1990-1993, Faro, 1990, p.17
(16) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (2003) Revisão do PROTAL, Relatório de Caracterização e Diagnóstico, Faro, 2003, Anexo B, p. 13
(17)Diário de Notícias de 28 de Fevereiro de 1992
(18) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (2003) Revisão do PROTAL, Relatório de Caracterização e Diagnóstico, Faro, 2003, Anexo B, p. 8, Instituto Nacional de Estatística  Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente, vol. I, Lisboa, 1952 e  Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas: Ano de 2005, Lisboa, 2006

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