Vinte Anos Passados: Repetir um Erro Estrutural?

→ 2012: Cecília Meireles ao Expresso
Na sua primeira entrevista de fundo, a Secretária de Estado do Turismo, entre outras declarações, afirma:
  • “Aquilo que está na cabeça de cada turista ao pensar “vou de férias a Portugal” é que realmente é a marca do destino. E o que é hoje? É sol, praia, mar, bom tempo. Isso não é mau mas é pouco. Temos de pôr lá mais coisas. Tem de aparecer gastronomia, cultura, história dos Descobrimentos. Com o mar, tem de aparecer não só o sol e praia, mas também, por exemplo o turismo dos desportos náuticos, que é de enorme valor acrescentado. É preciso comunicar que Portugal é um País onde se pode ter tudo, e muito perto. Conseguir passar esta mensagem é difícil, mas pode ser o sucesso da marca Portugal.” (1).
Esta declaração levanta dois problemas.

Um é como proteger do aleatório da Politica, as Marcas de Portugal como País e como Destino Turístico o que inclui as Marcas Regionais, lá onde a oferta o justifica e o Mercado o exige. Temos de evitar repetir a cena de Manuel Pinho com a West Coast. É tema de próximo post.

Outro é lidar com a Marca Portugal como Destino Turístico e algumas Marcas Regionais, ligando ao Marketing da Oferta, a nível nacional e regional, mais à Comunicação que facilita vendas rentáveis às empresas. Decidir sobre Marca, Marketing e Comunicação exige conhecer a realidade da Concentração/Dispersão da Oferta e a fantasia politica associada. É o tema do presente post.

→ Curto Recordar de Politicas Para “combater” a Concentração Geográfica da Oferta

Em Abril de 1964, já está em causa a “concentração da oferta de turismo” versus “corrigir o desequilíbrio espacial da economia metropolitana”. Nessa altura, há capacidade para conhecer a realidade:
  • “O turismo não pode ser a panaceia para curar todos os males do desequilíbrio económico regional. […]. Tudo leva a crer que os turistas estrangeiros continuarão a manifestar a sua preferência pela orla marítima, e não se pode pensar, com base em critérios de planeamento regional, em desviá-los para outras zonas do País onde mais se pretenda acelerar o progresso económico se essas zonas não tiverem atractivos suficientes para lhes oferecer. De resto tudo recomenda sob o ponto de vista da eficiência, que uma grande parte dos investimentos turísticos seja concentrada num número pequeno de pontos.” (2).
A dificuldade do politicamente correcto é, habilmente, ultrapassada:
  • “Há, porém, duas zonas onde o turismo poderá oferecer uma contribuição decisiva para o progresso regional: o Algarve e a Madeira […] correspondem a regiões comparativamente pobres da economia metropolitana.”.
Depois, o politicamente correcto retoma força e vigor. O III Plano de Fomento para 1968-1973 integra o Turismo na correcção das assimetrias regionais de desenvolvimento, dando origem a medidas como as tomadas sobre a Serra da Estrela, com o insucesso conhecido.

Licínio Cunha, SET durante muitos anos, é o arauto desta política e o espectador da sua não aplicação – o chamado Ordenamento Turístico dá lugar à integração da Oferta de Turismo no Ordenamento do Território.

Feitas bem as contas, a concentração da oferta é reforçada, o que não impede a formação da oferta adequada em todo o País.

O “erro de 1992” tem este passado e tem um futuro: o regresso pós moderno ao passado, por via da politica dos Pólos do ainda recente PENT e da Lei Orgânica do Turismo de Portugal, ao recuperar o Ordenamento Turístico.

→ Em 1992, o Erro de um Secretário de Estado do Turismo
No início de 1992, a Pátria ganha um novo Secretário de Estado do Turismo. É jovem e é “de fora do Sector” (anátema perigoso). A escolha é justificada por vaga ligação a empresa turística. Cedo se percebe que Alexandre Relvas está muito acima da média dos governantes.

Em 1992, com o brilho que a inteligência dá, Alexandre Relvas cai na esparrela das verdades aceites:
  • diagnostica os “desequilíbrios estruturais que caracterizam o sector do turismo” e destaca a “Concentração Geográfica da Oferta”.
O erro é muito simples, mas muito importante:
  • considerar a Concentração Geográfica da Oferta como um “desequilíbrio estrutural”, a combater e não como uma dinâmica económica e social da Procura de Turismo, que é necessário conhecer para regular e qualificar a formação da Oferta, o seu Marketing e a sua Marca.
Em 2012, Cecília Meirelles não pode cair na esparrela das verdades aceites.

→  Dinâmica da Concentração / Dispersão Geográfica da Oferta
A dinâmica de concentração/dispersa geográfica da Oferta de Turismo resulta de factores como o comportamento gregário do Homem e as exigências da escala das infra-estruturas necessárias à estadia de turistas.

Resulta, depois, de factores ligados à situação geográfica de Portugal:
  • a acessibilidade aérea, sobretudo de curto/médio alcance, concentra a oferta nas áreas de influência dos aeroportos: Lisboa, Faro, Porto e Funchal,
  • a situação e a relação do viajante com o Destino da Viagem Para Estanciar (voltaremos ao tema) explicam esta concentração na Madeira e Algarve, onde o turismo residencial (hoje, 140 mil casas) a reforça,
  • a dinâmica crescente do «turismo na cidade» explicam a concentração em Lisboa e Porto e a propensão para «dar umas voltas», a partir daí, 
  • a acessibilidade rodoviária é limitada e, uma vez em Portugal, reforça a Concentração ou alimenta a Dispersão,  em regiões onde se forma oferta dispersa e de menor escala.
Não é preciso ser um Orlando Ribeiro para compreender esta ocorrência de Geografia Humana e Física. Por exemplo, na Madeira, não há turismo residencial porque a Orografia não o permite.

Apesar da evidência da realidade e de várias dezenas de anos passadas a “combater a concentração geográfica da Oferta”, a gente da Politica de Turismo não procura resposta para pergunta elementar:
  • porque Diabo os Turistas não são sensíveis a esta clarividente Politica e insistem em aumentar a Concentração?

→ E os Turistas?
Em 2011, um Estudo de Satisfação de Turistas (3) mostra como a Procura condiciona a concentração geográfica da Oferta – esta resulta daquela. Analisemos os “Locais/Regiões visitados por País de Origem”, por aeroporto de chegada:
  • Faro dá acesso a uma Área Turística onde os turistas estanciam,
  • Lisboa e Porto dão acesso a estadia na cidade, a partir da qual há visitas de ida e volta ou circuitos,
  • para além de visitar a zona de entrada, apenas 2% - 12% - 26% dos turistas visitam outros lugares, para além de, respectivamente, Faro, Lisboa e Porto – mensagem clara para a Politica de Turismo.

Quadro 3.1 – “Locais/Regiões visitados por País de Origem”, por cada um dos aeroportos de chegada
Fonte: Elaboração Própria, com base em Turismo de Portugal, Estudo de Satisfação de Turistas 2011

→ A Decisão do Mercado
O “Mercado decide” que a Oferta de Turismo do País integra dois grandes tipos de Destinos que aqui e ali se sobrepõem:
  • os da Concentração da Oferta, na área de acolhimento do Aeroporto de chegada: Lisboa, Faro, Funchal e Porto, com o caso especial dos Açores,
  • os da dispersão de uma oferta mais ligeira e “alojamentos familiares clássico de uso sazonal” (linguagem do INE).
Em termos concretos, a maioria dos turistas
  •  “vem ao Algarve ou à Madeira” para estanciar – o turismo do Algarve desenvolve-se, se assumir o vasto potencial da “viagem para estanciar”
  • “vem a Lisboa ou ao Porto”, dando ou não voltas, mais ou menos largas – a Cidade beneficia da vaga crescente de estadias urbanas multifacetadas.
Na realidade, a maioria dos turistas “não vem a Portugal”.

→ Marca Portugal como Destino Turístico e Marca de Alguns Destinos Regionais
Temos de reavaliar a opção que tem sido a da “Promoção Turística tradicional e obsoleta” (um próximo post). A nível da Valorização da Marca,
  • continuamos a valorizar a Marca Portugal e a tolerar mínima afirmação de Marcas Regionais?
  • ou valorizamos  Marcas Regionais com identidade própria e escala que o justifique, base da Marca Portugal como Destino Turístico e, ao mesmo tempo, umbrella das Marcas Regionais?
A nível do Marketing da Oferta,
  • continuamos a impor um Plano Nacional de Promoção Turística, que condiciona e espartilha um limitado Plano de Promoção Regional Externa?
  • ou reconhecemos Destinos Regionais com massa crítica e Plano de Marketing próprios, base do Plano de Marketing da Oferta de Turismo do País, que, por sua vez influencia os Planos dos Destinos Regionais?
Nos dois casos, a realidade da Procura/Oferta explica a nossa Proposta:
  • recusamos a facilidade de um processo centralizador, conduzido, com mão de ferro e algum veludo, de cima para baixo, no Power Point habitual,
  • propomos a dificuldade do trabalho de baixo para cima, com input de cima para baixo, em processo aberto e iterativo, orientado pelo bom senso.

→ A “caixa de chocolates” (4)
A Marca é algo sério demais para ser objecto de decisão politica avulsa. A criação da Imagem de Marca dá origem à Brand Equity, que apoia vendas rentáveis (mediante o adequado Marketing e Comunicação). Segundo os mercados e a sua familiaridade com o Destino Regional (Lisboa ou Algarve, por exemplo), assim se promove
  • a marca Portugal (a marca da caixa de chocolates), em mercados onde os Destinos não são familiares (China, por exemplo),
  • marcas de Destinos Regionais (os sabores da caixa, que se abriu), quando estes são familiares (Algarve no Reino Unido e muitos mais).
A Imagem de Marca destes Destinos Regionais é um dos comunicadores da Marca Portugal, como Destino Turístico. Sem Marcas Regionais fortes não há Marca Portugal como Destino Turístico.

A realidade da Concentração Geográfica da Oferta aconselha (ou exige?) que valorizemos a Marca Portugal a partir das Marcas Regionais. 

A Bem da Nação
Algarve 16 de Janeiro de 2012
Sérgio Palma Brito

 
Referências
(1) Expresso de 17 de Janeiro de 2012
(2) Presidência do Conselho, Relatório Preparatório do Plano de Investimentos para 1965-1967, Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo, Lisboa, 1964
(3) Turismo de Portugal, Estudo de Satisfação de Turistas 2011, GfK, Lisboa 2011
(4) Voltaremos às duas principais obras de Simon Anholt: Competitive Identity – the new brand management for Nations, Cities and Regions (2007) e Places – identity, image and reputation (2010)

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