Camas Paralelas na Cidade – Quando Factos Contrariam Narrativas


Camas Paralelas na Cidade – Quando Factos Contrariam Narrativas

O presente post é o primeiro de uma série de seis (Primeiro, Segundo, Terceiro, Quarto, Quinto, Sexto) sobre o tema:

Camas Paralelas na Cidade – Quando Factos Contrariam Narrativas

Na presente série de posts,

-narrativa é uma versão de acontecimentos, que escamoteia factos e o seu contexto, inclui verdades que lhe dão alguma credibilidade, mas que omite o essencial do que “narra” e é instrumento de interesses económicos, sociais ou políticos.

Esta é a primeira de duas séries de posts (Segunda) redigidas no momento em que o Governo elabora o Decreto-Lei sobre o Alojamento Local, uma figura jurídica menor do Regime Jurídico do Alojamento Turístico de 2008.

A segunda série de posts tem por tema:

-Alojamento Turístico Não Classificado no Após Crise de 2008/2009


Os objectivos da presente série de Posts são:

-contribuir para que as Partes Interessadas no processo legislativo reconheçam a necessidade de análise profissional da realidade da Economia, prévia à tomada de Decisão Politica,

-fomentar o “partilhar uma maneira diferente de analisar o Viajar e o 
Turismo”.

Este Blogue não pretende influenciar a agenda da Política de Turismo, mas não é indiferente a duas situações.  

A primeira é a elaboração do Decreto-Lei sobre Alojamento Local não ter em conta dois aspectos da realidade económica que é suposto regular:

-factos que contrariam assuntos ligados às Narrativas sobre Camas Paralelas da Cidade, e que são o tema desta primeira série de posts,

-a realidade do Alojamento Turístico Não Classificado, que é o tema da segunda série de posts.

A segunda situação é que, ao afunilar a sua intervenção no Alojamento Local e não abordar o conjunto do Alojamento Turístico Não Classificado, o Governo pode cometer dois erros:

-o primeiro e o de consequências mais graves para o País é legislar sem ter a informação necessária sobre a dinâmica e realidade da totalidade do Alojamento Turístico do País e continuar limitado ao Alojamento Turístico Classificado e reduzido Alojamento Local,

-o segundo resulta do primeiro, e consiste em o Governo concentrar a sua atenção nas Camas Paralelas da Cidade e na repressão da informalidade fiscal, e aplicar este modelo redutor e inadequado à realidade do Alojamento Turístico Não Classificado do Algarve, várias vezes mais importante do que a das Camas Paralelas da Cidade.

Apresentamos a seguir notas sobre os outros cinco posts da série – estas notas não substituem a leitura do texto completo.


*Revisão do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos – Opção Sobre “Requisitos”
No âmbito de um Revisão Pontual do Regime Jurídico do Alojamento Turístico em vigor,

-o Secretário de Estado do Turismo defende a criação do “Hotel sem estrelas”,

-a AHP – Associação da Hotelaria de Portugal manifesta uma posição firme e solene ao “Hotel sem estrelas”, como descrevemos em outro Post (AHP.2).

Ao concentrarem a atenção no “Hotel sem estrelas”, SET e AHP esquecem que a Competitividade Estratégica da Industria da Hotelaria (1) depende da Revisão Profunda do Regime Jurídico do Alojamento Turístico em vigor. Esta Revisão Profunda, entre outros, deve

-incluir a simplificação de Todos os Requisitos actualmente exigidos ao Alojamento Turístico, o que vai para além da Revisão Pontual que acaba de ser aprovada (2).

Com efeito muitos Requisitos “só acarretam custos acrescidos para as empresas e não têm nenhum valor acrescentado para o cliente, quer em termos de segurança, quer em termos da melhoria da qualidade de serviço”, nas palavras do Chief Financial Officer do Grupo Pestana (3).

A proposta deste gestor ilustra uma via para a simplificação dos Requisitos:

-“O objectivo é analisar toda a legislação que regula a actividade em países europeus e adaptar aquela que for mais “friendly” do ponto de vista empresarial. Ou seja copy e paste da legislação do país europeu mais favorável à competitividade dos destinos das empresas portuguesas.”.


*Hotel Sem Estrelas: Incidente Interno e Revelador do Mercado
O Secretário de Estado do Turismo considera que

-“mais importante do que a classificação por estrelas, são as classificações informais que o mercado dá, através de sites, revistas e prémios”.

A AHP – Associação da Hotelaria de Portugal opõe-se à proposta do SET, com base em argumentos ligados à Oferta e afirmação sobre o Mercado:

-“a nível do mercado internacional (quer da procura/consumidores quer dos OTA/TO) está sedimentada a ideia de estrelas”.

No post anterior analisámos a dimensão interna do incidente “Hotel sem estrelas”. Neste post analisamos a sua ligação ao Mercado, por via da afirmação da AHP.

Com base em três sites (Booking.com, Tripadvisor e Thomson Holidays), analisamos como

-informam os turistas sobre as características dos estabelecimentos e instalações (4) de Alojamento Turístico,

-integram a Classificação Por Estrelas nas Exigências da Procura do Século XXI (5).

A nossa análise

-mostra que o confronto entre SET e AHP sobre o Hotel Sem Estrelas é um Incidente Interno sem relação com o mercado do início do século XXI, e a considerar no âmbito da Marketing Myopia (6),

-confirma a posição defendida pelo Secretário de Estado sobre a maior importância das “classificações informais que o mercado dá, através de sites, revistas e prémios”.

Apesar de limitada, a nossa análise confirma que, no contexto da Transformação Estrutural do Mercado Europeu da Viagem Turística

-a Classificação por Estrelas pode ter algum uso, mas está reduzida a ser um arcaísmo, ignorada ou utilizada marginalmente pelas grandes organizações da Intermediação e/ou Informação dos turistas que recorrem à Venda Directa de alojamento pelos estabelecimentos,

-o «mundo da Internet» disponibiliza novos e mais completos instrumentos de avaliação que respondem às exigências de uma procura mais informada, mais exigente e com mais poder para escolher.

Entre outros, lembramos três destes instrumentos:

-informação vasta e diversificada sobre os estabelecimentos e instalações de alojamento turístico,

-relatos de comunidades de clientes e de utilizadores,

-serviços só aparentemente longe do Turismo como o Google Earth, Street View, Google Map ou YouTube, que complementam a informação para escolha do turista.


*Narrativas Sobre Camas Paralelas na Cidade – Breve Percurso
O post apenas procura descrever e situar as narrativas. As ilações a tirar destas narrativas e o debate que exigem são temas do último post da série.

As narrativas sobre Camas Paralelas na Cidade assentam em dois tipos de argumentos:

-Concorrência Desleal por as Camas Paralelas não respeitarem a Legislação sobre o Alojamento a Turistas e dependerem da Informalidade Fiscal,

-Apoio do Estado à Hotelaria para «combater a imobiliária que destrói o turismo», limitar e até “inibir” o crescimento da oferta e impedir a Distribuição de comercializar as camas paralelas. 

A análise das Narrativas concentra-se em tomadas de posição da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, pela sua importância e por liderar o combate às Camas Paralelas.

Registamos que o Governo reforça a narrativa sobre um Alojamento Local caracterizado por ”evasão fiscal como vantagem competitiva”.

*Camas Paralelas na Cidade – Factos a Observar e Quantificar
A nossa análise assenta em quatro sites (Booking.com, Tripadvisor, Flipkey, Homeaway) e três cidades (Porto, Lisboa e Barcelona). Identificamos duas realidades:

-quatro Tipos de Estabelecimentos Alojamento Colectivo “ligeiros”: Hostels, Bed & Breakfasts, Guest Houses e Inns,

-Apartamento arrendado pelo proprietário ou agencia profissional, no mercado do Holiday Rental.

Dois factos relevantes

-não encontramos Promoção Imobiliária destes Estabelecimentos e Apartamentos, mas sim recuperação de património e reabilitação urbana,

-os Apartamentos não resultam de Utilização Turística de Residências Secundárias (Aqui), mas sim da recuperação de Apartamentos Vagos.  

Outras características:

-importa analisar esta oferta de alojamento em função das dinâmicas urbanas nas zonas históricas das cidades – a versão urbana da integração do turismo no território,

-avaliação significativa pelo número de contributos de hóspedes, com valor acima de 8, muitas vezes acima de 9,

-preço mais baixo, em linha com uma procura com menos rendimento,

-oferta inovadora e diferente de Hotéis, a indiciar que pode atrair turistas que estes não atraem – um dos pontos que mais exige ser aprofundado.

-localização no centro histórico e turístico, perto dos locais mais famosos ou simplesmente mais conhecidos/procurados por que visita a cidade.

Com base a amostra, temos a seguinte quantificação:

-Apartamentos: Barcelona (10.482), Lisboa (3.129) e Porto (832) – neste caso, ignoramos quantos apartamentos são realmente comercializados, pois a inscrição no site é fácil e não implica sucesso,

-Hostels: (346), Lisboa (149) e Porto (65).

-Conjunto de B&Bs/Inns/Guest Houses: (493), Lisboa (237) e Porto (160).

*Camas Paralelas na Cidade: Debater Ilações de Narrativas e Factos
O debate não pode ignorar dois aspectos da relação entre o Estado e a Industria da Hotelaria:

-integrar toda a oferta de Alojamento Turístico (definido como o utilizado por turistas) no âmbito da Politica de Turismo e fomentar a criação de valor por todos os Tipos de Alojamento e não limitar, “inibir” ou ilegalizar oferta que não caiba nos estreitos limites da relação tradicional entre Estado e Hotelaria 
– a simplificação e adequação dos Requisitos resultam desta opção politica,

-aplicar uma Fiscalidade Competitiva a toda esta oferta e acabar com a inaceitável permissividade do Fisco perante a «evasão fiscal reconhecida e aceite» das Camas Paralelas e de outras actividades do turismo.

Neste contexto, o facto da Industria da Hotelaria pedir o apoio do Estado para combater a “imobiliária”, limitar/”inibir” o crescimento da oferta ou intervir na Distribuição, é um arcaísmo que um dia será visto como hoje vemos o arado de madeira que ainda era utilizado na ruralidade da década de 1950.

Debater as ilações a tirar dos Factos de Observar e Quantificar as Camas Paralelas na Cidade não é passível de resumo. Citamos questões em aberto:

-os números de Barcelona mostram haver mercado e potencial de crescimento significativo para Lisboa e Porto – por outras palavras, a oferta da Camas Paralelas é concorrente ou complementar da Hotelaria?

-a localização das Camas Paralelas em zonas como a Baixa e outras zonas históricas das Cidades está relacionada a Reabilitação Urbana e sinergia e/ou conflito entre Utilização Turística dos apartamentos e Arrendamento Urbano à População Residente

-no caso das Camas Paralelas na Cidade, qual a Politica de Turismo que defende o interesse do País e qual a Prioridade que dela resulta para o Ministério da Economia?

A Bem da Nação

Albufeira 25 de Novembro de 2013

Sérgio Palma Brito

Notas


(1)A expressão é de Michael Porter em Competitive Strategy – Techniques for Analyzing Industries and Competitors, um livro de tremenda actualidade para compreendermos a Industria da Hotelaria.

(2)Para que não haja dúvidas, a Revisão Profunda do Regime Jurídico deve, ainda, integrar a regulação de Todo Alojamento Turístico Não Classificado, o que vai muito para além da aprovação do mais bem intencionado Decreto-Lei sobre Alojamento Local.

(3)José Theotónio, Chief Financial Officer do Grupo Pestana, em Raul Martins, Francisco Sá Nogueira. José Theotonio e Jorge Vasconcellos e Sá, Crescimento (sem Keynes) no Turismo, Vida Económica 2012, p.123.

(4)A definição de Alojamento Turístico pelas Instituições Internacionais é “Any facility that regularly or occasionally provides overnight accommodation for tourists”. Traduzimos “facility” por Estabelecimentos e Instalações, designando Instalações o conjunto de Vivendas, Apartamentos,  Caravanas, Cottages e outras variedades de Alojamento Turístico Privado.

(5)Consultamos os sites em inglês (o principal mercado emissor para a nossa oferta de Alojamento Turístico) e mantemos as designações em inglês – o texto fica algo ridículo, mas evitamos a confusão adicional criada pela tradução.


(6)Marketing Myopia é conceito a analisar mais tarde. O artigo Marketing Myopia (Harvard Business Review, July/August, 1960) é um classic do Marketing e da Estratégia na Gestão.

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