Estatísticas do tráfego aéreo de passageiros (notas)


O presente post é apenas um conjunto de notas para ajudar os utilizadores das estatísticas do tráfego aéreo de passageiros em Portugal. O post tem como primeiros destinatários os leitores dos posts que este blogue consagra ao transporte aéreo.

Os gráficos apenas ilustram a definição dos indicadores utilizados e não a realidade que quantificam – na sua maior parte já foram analisados em posts do blogue. Dito isto, alguns gráficos têm o efeito colateral positivo de fazer a realidade entrar pelos nossos olhos e ir direitinha ao cérebro.

 

*Informação ao leitor

O presente post tem versão em PDF está disponível (aqui).

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

 

 

 

1.Introdução

*Estatísticas dos Transportes do INE – dois tipos de indicadores
O INE publica dois tipos de indicadores do tráfego comercial dos aeroportos, apenas em base anual e com o excessivo atraso das Estatísticas dos Transportes:

-por tráfego internacional, territorial e interior,

-por companhias aéreas nacionais e estrangeiras.

Nos dois casos o INE detalha o número de passageiros por “embarcados, desembarcados e em trânsito directo”

Há duas maneiras de apresentar o número de passageiros:

-do ponto de vista do gestor aeroportuário e INAC, conta o número total de passageiros,

-do ponto de vista da análise que pretendemos fazer, utilizamos sempre o número de passageiros desembarcados, cerca de metade do total.

*Passageiros em trânsito
O INE apenas quantifica o número insignificante de passageiros em trânsito-directo (em 2014, é 0.08% do total), definido como

-“Passageiro que, após uma breve paragem, continue a sua viagem na mesma ou noutra aeronave, mas com o mesmo número de voo.” (NOTA).

(NOTA)Utilizamos os conceitos e nomenclaturas definidos em INE – Estatísticas dos Transportes, Capítulo IX –  Metodologia, Conceitos e Nomenclaturas, edição referente a 2013.

O INE não quantifica o que é verdadeiramente importante nos passageiros em trânsito e de que dá duas definições que aparentemente se diferenciam apenas pelo “lapso de tempo determinado”:

-“passageiro transfer - Passageiro que utiliza o aeroporto com o único fim de fazer a sua transferência, para continuação de viagem no mesmo avião em que chegou ou noutro, mas com diferente número de voo, e dentro de um período de 24 horas.

-passageiro em trânsito indirecto ou em transferência - Passageiro que chega à infra-estrutura aeroportuária considerada, numa aeronave com um determinado número de voo e parte num lapso de tempo determinado nessa aeronave ou noutra, mas com diferente número de voo.”.

O que está em causa no aeroporto de Lisboa é termos informação sobre os passageiros do hub intercontinental da TAP e que são “passageiro em trânsito indirecto ou em transferência”. Na ausência desta quantificação, um passageiro Europa/Brasil é contado duas vezes como desembarcado no ‘tráfego internacional’ e nas ‘companhias nacionais’ – quando desembarca da Europa e no regresso, quando desembarca do Brasil.

Reconhecemos que, muito provavelmente, esta divulgação violaria o segredo estatístico ao informar sobre apenas um agente económico, na ocorrência a TAP.

*Tráfego comercial regular e não regular
O INE divulga um terceiro tipo de indicador:

-o do número de passageiros no tráfego comercial regular e não regular, com detalhe por companhias nacionais e estrangeiras, mas apenas para o conjunto dos aeroportos.

Em 2013, o total do tráfego não regular é de 715 mil passageiros desembarcados, dos quais 691 mil em tráfego internacional – destes, 88,9% são transportados por companhias estrangeiras.

Sem o detalhe por aeroporto, pouco mais podemos afirmar para além de Faro poder ser o aeroporto mais importante, seguido do Funchal.

 

2.Estatísticas por tipo de tráfego

*Introdução
O INE define três tipos de tráfego aéreo:

-“tráfego aéreo internacional – Tráfego aéreo efectuado entre o território nacional e o território de outro Estado ou entre territórios de dois ou mais Estados em escalas comerciais.

-tráfego aéreo interior – Tráfego aéreo efectuado no interior do Continente (entre aeroportos de Porto, Lisboa e faro), assim como dentro de cada uma das Regiões Autónomas.

-tráfego aéreo territorial – Tráfego aéreo que se realiza entre o Continente e as Regiões Autónomas ou entre as duas Regiões Autónomas.”.

 

*Tráfego internacional nos quatro principais aeroportos

Gráfico 1 – Passageiros desembarcados em tráfego internacional
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

*Tráfego territorial e interior por aeroporto dos quatro principais
Até há muito pouco tempo, o tráfego territorial e interior eram assegurados por companhias nacionais. Este monopólio deixa de existir no tráfego interior no Continente /Ryanair a voar entre Porto/Faro e Porto/Lisboa) e no tráfego territorial (Easyjet no caso da Região Autónoma da Madeira e Easyjet e Ryanair no caso da Região Autónoma dos Açores).

Na nossa análise do transporte aéreo até 2014, mantemos a hipótese do monopólio de companhias nacionais. A partir de 2015, esta simplificação passa a ser problemática.

Gráfico 2 – Porto: tráfego territorial e interior
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Nota – Em 2003 há claramente um erro.

Gráfico 3 – Faro: tráfego interior
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Nota – O tráfego territorial de Faro é esporádico e insignificante. O crescimento do tráfego interior a partir de 2010 resulta da ligação Porto/Faro pela Ryanair.

Gráfico 4 – Funchal: tráfego territorial e interior
(milhares)



Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Nota – O tráfego interior do Funchal resulta da ligação Funchal/Porto Santo.

Gráfico 5 – Lisboa: tráfego territorial e interior
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

 

3.Estatísticas por companhias nacionais e estrangeiras

Gráfico 6 – Porto: passageiros desembarcados por companhias nacionais e estrangeiras
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Gráfico 7 – Faro: passageiros desembarcados por companhias nacionais e estrangeiras
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Nota – As companhias nacionais sempre foram pouco importantes no tráfego internacional de Faro e parecem estar a caminho da insignificância.

Gráfico 8 – Funchal: passageiros desembarcados por companhias nacionais e estrangeiras
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Gráfico 9 – Lisboa: passageiros desembarcados por companhias nacionais e estrangeiras
(milhares)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes

Nota – Em 2001 há claramente um erro.

 

4.Propostas simples para melhores estatísticas
-1ª proposta – o INE, devidamente apoiado pela ANAC disponibiliza

-mensalmente e duas semanas após o fim do mês, a informação sobre tipo de tráfego e tipo de companhia, por aeroporto, eventualmente em números e sem meta informação,

-faz o esforço adicional de detalhar cada tipo de tráfego por companhias nacionais e estrangeiras.

-2ª proposta – a ANAC, a exemplo de congéneres estrangeiras, passa divulgar números anuais, antes do fim de Janeiro do ano seguinte, sobre chegadas e partidas por aeroporto estrangeiro e quatro aeroportos de Portugal (mais eventualmente Ponta Delgada).

-3ª proposta – ‘forças vivas da investigação e estudo do turismo’, apoiadas por Turismo de Portugal e Confederação do Turismo Português estabelecem um protocolo com a ANA – Aeroportos para poder utilizar, mediante autorização caso a caso e garantia de confidencialidade, as estatísticas por aeroporto e companhia aérea.

Como manifestação da nossa ingenuidade, chega.

 

A Bem da Nação

Lisboa 20 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

Para acabar de uma vez para sempre com os 20% de capital da TAP para os pilotos


Aí por 2012, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil provocou alarido e perturbou a ordem pública, ao reclamar de 20% do capital da TAP, no âmbito da privatização então em curso.

Entre 2012 e 2013, este blogue analisou a posição do SPAC e foi perdendo a paciência – basta ler o título do post publicado há dois anos.

Hoje, quando o SPAC desenterra o assunto, recordamos parte do trabalho publicado, mas que é suficiente para justificar o nosso apelo:

-Para acabar de uma vez para sempre com os 20% de capital da TAP para os pilotos!

 

*Maio de 2013 – denúncia da Triste Figura do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil
Em 1 de Maio de 2013, vai para dois anos, este blogue publicou um post que recordamos


Neste post recordávamos o ‘trabalho de casa’ já feito pelo blogue (ver a seguir) e sublinhávamos o essencial:

-o Parecer da Procuradoria-Geral da Republica considera que a proposta do SPAC é Infralegal, Inconstitucional e Ilegal – mais claro do que isto não pode haver.

Com efeito, segundo o Parecer:

-“no processo de reprivatização da sociedade anónima dela resultante as condições especiais de aquisição ou subscrição preferencial de ações pelos trabalhadores têm de estar previstas no decreto -lei que aprove a reprivatização, não podendo ser determinadas por meio de um ato infralegal”,

-“A ampliação da percentagem de acções reservadas à participação dos trabalhadores a mais de 10% do respectivo capital social ou o estabelecimento uma quota reservada a uma categoria especial de trabalhadores por ato infralegal seria inconstitucional e ilegal.”.

 

*Maio de 2013 – denúncia da Triste Figura do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil
Em 1 de Maio de 2013, vai para dois anos, este blogue publicou um post que recordamos


Neste post  recordávamos o ‘trabalho de asa’ já feito pelo blogue (ver a seguir) e sublinhávamos o essencial:

-o Parecer da Procuradoria-Geral da Republica considera que a proposta do SPAC é Infralegal, Inconstitucional e Ilegal – mais claro do que isto não pode haver.

Com efeito, segundo o Parecer:

-“no processo de reprivatização da sociedade anónima dela resultante as condições especiais de aquisição ou subscrição preferencial de ações pelos trabalhadores têm de estar previstas no decreto -lei que aprove a reprivatização, não podendo ser determinadas por meio de um ato infralegal”,

-“A ampliação da percentagem de acções reservadas à participação dos trabalhadores a mais de 10% do respectivo capital social ou o estabelecimento uma quota reservada a uma categoria especial de trabalhadores por ato infralegal seria inconstitucional e ilegal.”.

Como este blogue atempadamente assinalou, uma rápida leitura da legislação aplicável mostrava a ilegalidade da proposta do SPAC e causa estranheza ter havido jurista que a tenha apoiado.

*As duas demoras no parecer da Procuradoria-Geral da República
O Parecer n.º 4/2012 da Procuradoria-Geral da República

-tem data de 19 de Abril de 2012 e

-é homologado por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes, de 25 de Julho de 2012,

-é publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 83 — 30 de Abril de 2013 (aqui).

Este Blogue gostaria de ter explicação sobre duas demoras:

-terem decorrido três meses entre o Parecer, óbvio e urgente, e a homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes,

-depois da homologação, terem decorrido nove meses (o tempo de gerar um bebezinho) até à publicação do Parecer no Diário da Republica.

Há uma pergunta final:

-Parecer, Homologação e Publicação – porquê tanta demora?

*Um “texto” escamoteado da informação pública legal sobre o Acordo de Empresa
Citamos o Parecer da PGR:

-“4.ª O texto subscrito em 10 -6 -99 pelos presidentes do Conselho de Administração da TAP e da Direcção do Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (SPAC) foi elaborado no quadro das negociações desenvolvidas entre as duas entidades com vista ao Acordo de Empresa (AE).

5.ª O texto de 10 -6 -99 não integra o clausulado, regulamentos ou anexos do Acordo de Empresa celebrado entre a TAP e o SPAC publicado no Boletim do Trabalho e Empresa, 1.ª série, n.º 30, de 15 -8 -1999, o qual deu entrada em 27 de Julho de 1999 e foi depositado em 2 de Agosto de 1999”.

Este Blogue ignora o que terá passado pela cabeça do Presidente da TAP na altura, mas não é nada bonito termos um gestor público de topo a assinar tal texto, a escamoteá-lo a quando da divulgação legal do Acordo de Empresa, e não ter vindo a público esclarecer o assunto, quando o incidente poderia ter perturbado a privatização da TAP.

*O trabalho de casa feito antes
Apesar de Pacheco Pereira não gostar da expressão “trabalho de casa” e a achar “infantilizante”, é assim que este blogue designa os três posts que publicou:

-27 de Março de 2012

Privatização da TAP – Pilotos Têm Direito a 20% do Capital? (aqui).

-9 de Agosto de 2012

Privatização da TAP, Sindicato dos Pilotos e Urgente Intervenção da Procuradoria-Geral da Republica (aqui).

-27 de Agosto de 2012

Informação adicional sobre o “acordo” entre a TAP e o Sindicato dos Pilotos (aqui).

Este blogue constata que

-o primeiro post é oportuno, por ser anterior à data do Parecer,

-os dois posts de Agosto são posteriores à data do Parecer e resultam do já referido duplo atraso: na homologação e na publicação.

 

A Bem da Nação

Lisboa 16 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

*Quarenta anos de TAP nacionalizada – o Estado paga


A empresa é uma comunidade de accionistas, gestores e trabalhadores que partilham uma identidade e realização de fins com base em objectivos acordados.

A nacionalização da TAP perverte esta comunidade ao criar o ‘accionista estado português político partidário’ que corrói princípios básicos da empresa:

-sucessão de gestores não profissionais aos quais não exige remuneração do capital,

-trabalhadores e sindicatos conscientes que ‘o Estado paga’, porque a empresa não pode falir.

E o Estado

-paga em 1994 com aumento de capital de €1,4 mil milhões, a preços de hoje, e garantia bancária equivalente,

-em 2015, vai pagar uma quantia significativa, de uma maneira ou de outra.

Isto não é brilhante, mas o pior feito do ‘accionista estado português político partidário’ é permitir, quando não apoiar, que esta relação espúria entre accionista, gestão e trabalhadores

-seja um bloqueio à necessária adaptação da empresa às exigências do mercado – é isto que enfraquece a TAP de 2015,

-crie a ilusão que o futuro dos trabalhadores é protegido pelo agora quase falido accionista que paga e não pela competitividade da empresa em mercado aberto.

Desde 2001,

-uma gestão profissional de génese atípica faz milagres operacionais, quando acrescenta ‘duas TAPs à TAP de 2001’ – desde esse ano até 2014 o número de PKU passa de 10 a 30.000 milhões,

-mas o accionista condena a gestão a falhar na performance financeira e na relação com os trabalhadores protegidos pelo Estado que paga.

O Camões de 2015 cantaria que o fraco accionista faz fraca a forte gestão.

Greve dos pilotos? O Estado paga.

Futuro da TAP? O Estado garante.

 

A Bem da Nação

Lisboa 14 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

 

NOTA

(1) PKU designa Passageiro-quilómetro, Número total de passageiros multiplicados pelo número de quilómetros voados.

-Balança de Pagamentos – o admirável crescimento da receita de viagens e turismo (III)


Síntese

*Duas notas sobre a receita do turismo na balança de pagamentos

A receita do turismo na balança de pagamentos (1) exige

-observação, análise e conhecimento muito para além da mera descrição feita nos posts que temos consagrado ao assunto,

-ser tida em conta por governo, administração, iniciativa privada e todos os que estudam, investigam ou se interessam pela economia do turismo.

Aprofundar a análise e conhecimento implica identificar aspectos menos conhecidos de que são exemplo:

-por mercado emissor pertinente, a evolução da percentagem da receita de viagem e turismo em Portugal no total da despesa de viagens e turismo no mercado em apreço,

-a evolução da quota da Europa no total de hóspedes e dormidas de hóspedes não residentes e da receita de viagens e turismo em Portugal.

*Esclarecimentos sobre a receita de viagens e turismo

A receita de viagens e turismo

-integra a realidade mais vasta da receita de turismo na balança de pagamentos,

-resulta também da despesa turistas não residentes em Portugal e que escolhem o alojamento turístico não classificado (6,6 milhões em 2014),

-inclui a despesa de emigrantes e outros membros da diáspora, fora do modelo tradicional de turismo reduzido a ‘estrangeiros a alojar em hotéis’,

-no interesse nacional, obriga a política de turismo a fomentar a cadeia de valor gerada pelos turistas que escolhem o alojamento não classificado,

-ultrapassa a noção de ‘balança turística’ (receita menos despesa do turismo) na arcaica noção de ‘sector do turismo’.

*Receita de turismo na balança de pagamentos, economia e política

A receita de turismo na balança de pagamentos é decisiva para a contribuição do turismo para a economia, porque exige o investimento e gera a procura interna que contribuem, de maneira sustentada, para o PIB e emprego.

A intervenção pública no turismo passa a ter como prioridade fomentar e facilitar as actividades e estabelecimentos que contribuam para a receita de turismo na balança de pagamentos.

A política de turismo dá prioridade à dimensão exportadora do turismo e integra no seu âmbito os conceitos abrangentes de alojamento turístico e de turismo residencial.

 

*Informação ao leitor

O presente post

- é o terceiro e último de uma série de três (primeiro, segundo, terceiro) que consagramos ao Admirável crescimento da receita de viagens e turismo,

-está disponível versão em PDF (aqui)

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

Em Março de 2014 consagramos três posts à observação da Receita de Viagens e Turismo por Mercado Emissor e enquadramos os números de 2013 na evolução entre 2003/2013 (aqui).

 

 

1.Duas notas sobre a receita do turismo na balança de pagamentos

*Observação, análise, conhecimento e acção

A receita do turismo na balança de pagamentos exige observação, análise e conhecimento muito para além da mera descrição feita nos posts que temos consagrado ao assunto.

Por falta de meios, a observação dos mercados emissores feita nos dois posts anteriores não é completada com análise por mercado emissor e síntese que tudo integre.  Este trabalho exige

-mais informação estatística sobre dinâmicas económicas, sociais e políticas que influenciam a receita, e tratamento estatístico adequado,

-benchmark com outros países, em dados e no conhecimento que deles podemos retirar.

Por fim, o conhecimento da receita por mercado emissor e a síntese devem ser base para a intervenção pública no turismo – ver o ponto 3.

*Identificação de dinâmicas mal conhecidas

A título ilustrativo do embrião do trabalho futuro que está em causa, sugerimos análise simples para quem possa ter acesso às balanças de pagamentos que o FMI disponibiliza:

-analisar a evolução desde há vinte anos e para os mercados emissores pertinentes, da percentagem da receita de viagem e turismo em Portugal no total da despesa de viagens e turismo no país em apreço,

-num primeiro passo e quando possível, relacionar esta percentagem com a quota de Portugal das deslocações turísticas do mercado emissor.

Ainda a título meramente ilustrativo, analisamos a evolução entre 2003/13 (2) da quota da Europa no total de hóspedes e dormidas de hóspedes não residentes e da receita de viagens e turismo em Portugal ver (aqui). O gráfico 1 mostra que,

-independentemente de variações anteriores a 2008, a crise de 2008/09 parece estar na origem de padrão: a partir de 2009, a Europa perde quota em hóspedes, dormidas e receita de viagens e turismo,

-a quota das dormidas é superior à dos hóspedes e diminui menos do que esta, e indicia estadias mais longas pelos residentes na Europa.

Gráfico 1 – Quota da Europa em hóspedes e dormidas de não residentes e receita de viagens e turismo em Portugal
(percentagem)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

2.Cinco esclarecimentos sobre a receita de viagens e turismo

*Receita de viagens e turismo e receita de turismo na balança de pagamentos
A receita de viagens e turismo é parte da realidade mais vasta da receita de turismo na balança de pagamentos que compreende ainda os seguintes elementos:

-investimento directo de não residentes em residências secundárias de utilização turística e posterior receita da cadeia de valor de administração e exploração turística,

-rúbrica de transportes internacionais de passageiros, com destaque para o transporte aéreo e TAP,

-transferências do exterior para financiar a residência em Portugal de reformados ex não residentes (aqui).

Esta noção da receita de turismo na balança de pagamentos integra a residência permanente de reformados ex não residentes, desde que a sua estadia seja financiada por rendimento transferido do exterior.

*Alojamento não classificado e receita de viagens e turismo
A receita de viagens e turismo resulta da despesa durante deslocações a Portugal por não residentes a Portugal, escolham estes alojar no alojamento turístico classificado ou não (3).

O gráfico 2 ilustra a evolução dos hóspedes não residentes no alojamento turístico, classificado ou não, durante os quatro anos em que o INE realiza o Inquérito ao Movimento de Pessoas nas Fronteiras (aqui).

O valor de hóspedes não residentes que em 2014 escolhem o alojamento não classificado é estimado a partir da média destes quatro anos (4).

De acordo com esta estimativa,

-em 2014, o número de hóspedes que escolhe o alojamento não classificado é de 6,6 milhões e representa 43% do número total de hóspedes no alojamento turístico classificado ou não.

A oferta de alojamento turístico não classificado assenta sobretudo em

-oferta de turismo residencial em residências secundárias de utilização turística, em estabelecimentos ou dispersas, por conta própria ou arrendadas,

-alojamento gratuito por familiares e amigos.

A oferta em hostels é recente.

Gráfico 2 – Hóspedes não residentes no alojamento turístico classificado e não classificado
(milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo

O gráfico 3 ilustra a estimativa da receita de viagens e turismo segundo o alojamento escolhido pelos turistas, classificado ou não. Esta estimativa resulta da divisão do total da receita na proporção de 57% e 43% estimada antes.

Gráfico 3 – Repartição da receita de viagens e turismo segundo o alojamento escolhido pelos turistas, classificado ou não.
(€ mil milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e BPStat

Com uma boa aproximação, podemos afirmar que

-os turistas não residentes que escolhem alojar no alojamento não classificado estão na origem de parte importante e crescente da receita de viagens e turismo da balança de pagamentos.

Como vimos, os tipos de alojamento não classificado são

-alojamento gratuito em casa de familiares e amigos,

-residência secundária de utilização turística por conta própria ou arrendada – dispersas em meio rural ou urbano e urbano turístico ou integrada em estabelecimento de turismo residencial (aqui).

*Emigrantes portugueses e outra diáspora
A receita de viagens e turismo inclui a despesa de importante grupo de não residentes em deslocação turística:

-os emigrantes e outra diáspora, que na maior parte escapam ao modelo tradicional de ‘estrangeiros a alojar em hotéis’ e escolhem a residência secundária de utilização turística (arrendada ou por conta própria) e alojamento gratuito por familiares e amigos.

O gráfico 4 mostra a evolução da receita de viagens e turismo por dormida no alojamento turístico classificado por hóspedes residentes em cinco países (França, Reino Unido, Alemanha, Irlanda e Itália).

Gráfico 4 – Receita de viagens e turismo por dormida de hóspedes não residentes no alojamento classificado (hotelaria)
(euros)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

Nota – O grafismo obriga a só indicar o valor de dois dos quatro países: França e Reino Unido.

Dois comentários:

-a receita média em França varia entre o quádruplo e o triplo da receita média que nos outros quatro países é praticamente idêntica,

-a diferença da França reside no grande número de emigrantes portugueses residentes em França que escolhe o alojamento não classificado.

Este esclarecimento e este gráfico são filhos da situação quase dramática da informação turística do turismo em Portugal. Somos obrigados a deduzir informação sobre dinâmicas económicas e sociais relevantes e que deveriam ser quantificadas pelo Sistema Estatístico Nacional (5).

*Receita de viagens e turismo e proveitos da hotelaria
Desde há mais de meio século e por razões que não cabe aqui detalhar, a política de turismo e a opinião mainstream recusam identificar e reconhecer o alojamento turístico não classificado e insistem numa contradição cada vez menos aceitável:

-posicionam a importância do ‘turismo’ com base em número de turistas, receita de viagens e turismo e contribuição do turismo para o PIB que resultam do consumo turístico de todos os turistas não residentes, escolham eles alojar no alojamento classificado ou não – cerca de 6.6 milhões em 2014, como vimos antes,

-ao mesmo tempo, identificam o ‘turismo’ apenas com o alojamento turístico classificado da industria da hotelaria.

O gráfico 5 compara a receita de viagens e turismo e proveitos alojamento classificado (hotelaria) entre 1996/2013 e o gráfico 6 destaca a evolução entre 2008/14.

Na continuidade do que já vimos antes (aqui) há duas divergências na evolução de receita de viagens e turismo e proveitos da hotelaria (6).

Durante o período 1996/2014, receita e proveitos são diferente em

-valor, com os proveitos a serem sempre inferiores a 25% da Receita, e em 2014 uma diferença de €8.2 bi entre proveitos (€1.96 bi) e receita (€ 9.25 bi),

-ritmo de crescimento, com a receita a crescer 134% e os proveitos 182%.

Depois,

-entre 2009/14, a receita cresce 25% e os proveitos 51%,

-entre 2013/2014, a receita já cresce 13% e os proveitos 12%, mas não altera a escala da diferença entre os dois indicadores.

Gráfico 5 – Receita de viagens e turismo e proveitos do alojamento classificado (hotelaria) entre 1996/2013
(€mil milhões)




Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

Gráfico 6 – Receita de viagens e turismo e proveitos do alojamento classificado (hotelaria) entre 2008/13
(€mil milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo e Banco de Portugal – BPStat

A escassez de informação estatística fidedigna não permite ir mais além do que a simples observação dos números e de duas ideias evidentes:

-a diferença entre ‘receita’ e ‘proveitos’ e a urgência em diferenciar os resultados da hotelaria dos da economia do turismo.

*Economia do turismo exporta serviços de turismo e o País importa
A indústria do calçado exporta milhões de pares de sapatos e Portugal importa sapatos. Idem para o têxtil, vinho e outras actividades económicas que escapam à fantasia que atrasa a economia do turismo.

O gráfico 7 ilustra duas realidades diferentes, que os números de 2014 explicitam:

-a economia do turismo exporta €10,4 mil milhões de serviços de viagens e turismo.

-Portugal importa €3,1 mil milhões de euros de serviços de viagens e turismo, com distribuição por agências de viagens e outros importadores ou compra directa pelo residente em Portugal ao produtor no estrangeiro.

Duas notas:

-é lógico que o Banco de Portugal contabilize débito e crédito da receita de viagens e turismo,

-é questionável que o INE publique a balança turística que as International Recommendations for Tourism Statistics ignoram e deste indicador ser reminiscência do arcaico conceito de ‘sector do turismo’ ensimesmado.

Gráfico 7 – Receita e despesa de viagens e turismo (1996/2014)
(milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em Banco de Portugal – BPStat

O gráfico 8 ilustra a evolução da despesa de viagens e turismo em percentagem da receita e confirma a divergência na evolução da receita e despesa de viagens e turismo.

Gráfico 8 – Despesa de viagens turismo em percentagem da receita
(percentagem)

 
Fonte: Elaboração própria com base em Banco de Portugal – BPStat

 

3.Receita de turismo na balança de pagamentos, economia e política

*Importância da receita de turismo na balança de pagamentos

Em Portugal,

-a contribuição do turismo para a economia depende em grande parte da receita do turismo na balança de pagamentos, porque exige o investimento e gera a procura interna que contribuem, de maneira sustentada, para o PIB e emprego.

Por sua vez, a receita de turismo na balança de pagamentos resulta

-turismo receptor, não residentes em deslocação turística a Portugal (7),

-turismo residencial quando financiado por receitas geradas no exterior.

Esta dupla dinâmica não é considerada pela política de turismo nem pelo pensamento mainstream sobre turismo. A sua importância e o facto de contribuir para o País ultrapassar a situação dramática em que se encontra exigem uma politica de turismo diferente. É tema para próximo post.

*Prioridade da receita de turismo na balança de pagamentos

A nova intervenção pública no turismo

-tem como prioridade fomentar e facilitar as actividades e estabelecimentos que contribuam para a receita de turismo na balança de pagamentos.

Esta prioridade à dimensão económica do turismo não economicista, porque é indissociável de uma relação positiva com cultura (com destaque para museus e património histórico construído) e ambiente.

Esta prioridade não é nova. Em 1964, o turismo é integrado nos trabalhos preparatórios do que virá a ser o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.

-“houve um critério que esteve sempre presente: o de que se deve dar prioridade às medidas destinadas a fomentar o turismo de estrangeiros, mesmo quando isso implique um certo sacrifício nas actuações orientadas no sentido do turismo interno.” (8).

*Consequências políticas da prioridade

Ao nível da politica de turismo,

-concentrar-se nas industrias e actividades da economia do turismo em função da sua componente exportadora,

Ao nível da intervenção publica no turismo

-exige a elaboração de projectos cuja transversalidade política exige decisão a nível da esfera de influência do primeiro-ministro.

 

A Bem da Nação

Lisboa 14 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

 

Notas

(1)No início do ponto 2 recordamos que a ‘receita de viagens e turismo’ é parte da realidade mais vasta da ‘receita do turismo na balança de pagamentos’.

(2)Faltam números de 2014 porque o INE só disponibiliza o número de hóspedes e dormidas de não residentes nas Estatísticas de Turismo a publicar lá mais para o Verão.

(3)Turismo é muito mais do que alojamento turístico, mas as duas definições formais de Alojamento Turístico dizem muito sobre os dois conceitos formais de turismo:

-no conceito dominante e redutor de turismo, alojamento turístico é o que o Estado licencia como tal, a ponto de proibir que o restante alojamento a turistas se afirme como “turístico” (legislação de 2008, recentemente alterada com a definição legal de Alojamento Local),

-no conceito abrangente de turismo, alojamento turístico é “any facility that regularly (or occasionally) provides overnight accommodation for tourists”.

(4)No que segue

-o número de turistas não residentes resulta do Inquérito ao Movimento de Pessoas nas Fronteiras,

-o número de hóspedes no alojamento turístico classificado resulta do Inquérito à Permanência de Hóspedes na Hotelaria e Outros Alojamentos, que existe desde 1965.

A partir destes números, estimamos o número de hóspedes no alojamento não classificado, com base nas hipóteses seguintes:

-utilizamos o ratio de ‘um turista, um hóspede’, apesar de um turista poder originar vários hóspedes, quando aloja em diversos estabelecimentos de alojamento classificado ou não,

-o número de hóspedes não residentes no alojamento não classificado é igual ao número de turistas não residentes menos o número de hóspedes mão residentes no alojamento turístico classificado.

Se o ratio de ‘um turista, um hóspede” não se aplicar estabelecimentos de alojamento classificado, a correcção desta simplificação reforçaria o número de turistas que utilizam o alojamento não classificado.

(5) Segundo o Relatório da PwC sobre Desafios Para o Turismo, “o Travel & Tourism Competitivness Report – 2013, do World Economic Forum, classifica Portugal em 72º lugar no que respeita à qualidade e cobertura da informação estatística, disponível para o sector do Turismo.”. Ver post Informação Estatística do Turismo – Instrumento de Conhecimento, Competitividade e Posicionamento (aqui).

(6)O INE dão detalha os proveitos da hotelaria por hóspedes residentes e não residentes e outra despesa de residentes não hóspedes (bares e restaurantes, utilização de salas, etc.). Esta versão dos proveitos favorece a hotelaria, mas não invalida a observação que fazemos.

(7)O turismo interno representa limitada substituição de importações e o turismo emissor identifica-se com a despesa de viagens e turismo na balança de pagamentos.

(8)Presidência do Conselho, Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo dos trabalhos preparatórios do Plano Intercalar de Fomento para 1965/1967, Lisboa, 1964.